OLÁ

Seja bem vindo ao nosso blog. Ele é feito com carinho. Nele você encontrará informações referentes à nossa família, principalmente o ramo dos Batista que residem em Olinda e arredores.

quarta-feira, 16 de maio de 2018

Coxinha, reacionário, fascista

                   Pra mim é muito desconfortável a pecha de coxinha ou fascista. É desagradável e injusto.
Foram mais de 12 anos, nos governos petistas, antes do farsante Temer assumir, durante os quais fui bombardeado, quase que diariamente por esse discurso fundamentalista ou radical.
                   - A classe média  morre de raiva porque agora demos condições dos pobres andarem de avião, terem acesso à internet, comprar carro do ano, etc. A classe média me odeia porque fiz no meu governo com que os pobres tivessem acesso a bens de consumo e a uma vida melhor.
                   Esse era o discurso, a pregação diária, na TV, na internet, etc. Afinal, Lula e Dilma foram eleitos só pelos pobres do bolsa-família? Eles eram presidentes apenas dos pobres? Ou foram eleitos para governar e beneficiar o Brasil e seu povo, independente de raça, cor, preferência política?
Daí, hoje dizem que não sabem porque todo esse ódio ao PT. Pois eu sei: se tal ódio existe por parte de muita gente, ele foi gerado, foi criado e alimentado pelos próprios petistas. Principalmente por seu maior líder, o Lula. Disso não tenho dúvidas.
                   Senão me responda: os que jogaram ovos na comitiva do Lula, lá nos Pampas, foram chamados de fascistas, terroristas, coxinhas, reacionários. Mas quando o imprestável, desonesto e cafajeste Temer foi visitar o prédio que caíra em São Paulo (burrice total), os manifestantes que dele não gostam (petistas ou não), cercaram seu carro, fizeram ameaças, com palavrões, etc. Essas pessoas eram fascistas? ou apenas democratas se manifestando?
                   Eu vejo muita gente, até amigos meus e parentes, tomando atitudes com as quais não concordo. Os dois lados usam os mesmos argumentos. Os dois lados se acreditam donos da verdade, se acham verdadeiros democratas e patriotas. Não estou aqui falando de quem gosta do Lula, da Dilma ou do Temer. Falo de pessoas dos dois lados, pessoas essas esclarecidas, sensatas, de bom nível intelectual, doutores, cientistas, filósofos, religiosos, etc.
                   Tenho o maior respeito por gente que está do outro lado da cerca. Gente honesta, trabalhadora, consciente, cidadãos honrados, tanto quanto os do lado de cá.
                   No entanto, tanto uns de um lado, quanto os do outro lado da cerca, recebem a pecha de safados, burros, até desonestos, etc. Não vejo o mínimo de respeito pelas posições contrárias, não vejo, nem de longe, o direito de cada um poder pensar a seu modo, interpretar os fatos à sua maneira, votar em quem quiser, ruim ou bom. O que vejo é o carimbo em todo mundo. Se você não gosta do Lula, então ama o Temer. Se não gosta do PT então é fã do PSDB. Por que? Acho que esse modismo de radicalizar, de carimbar as pessoas como se gado fossem, não contribui, não ajuda em nada.
                    Não é muito didático xingar alguém que você gostaria que fosse seu aliado. Porque eu creio que o momento é de conquista, de convencimento, não com argumentos talvez, mas, muito mais com fatos e ações. A classificação em coxinhas e esquerdopatas, progressistas e reacionários, democratas e fascistas, é uma aula perfeita de como se fazer e alimentar inimizades e discórdia.
                    Por isso, repito, se existe ódio ao PT, garanto que não apareceu por geração espontânea. Esse monstro foi gerado e trazido à luz pelo Lula, Dilma, Gleisi, e mais uma meia dúzia políticos e intelectuais, que agora se dão conta da grande besteira que fizeram. Há muita gente séria dos dois lados. Gente que deseja um Brasil justo, soberano, onde possamos criar nossos filhos, em paz e com democracia. Os carimbos não ajudam em nada. Somos todos brasileiros. As consequências das mazelas políticas e sociais, atingirão a todos os brasileiros. Sem distinção. Em menor ou maior grau. Asim também as boas ações públicas, sejam de governo e privadas, trarão benefícios a todos.
                    Costumo ainda dizer que alguns tentam me convencer ao me repassar textos, vídeos ou áudios de pessoas cultas, inteligentes, de renome até internacional. Também aqui posso citar meia dúzia de pessoas, que estão em lados opostos da cerca, e que possuem a mesma credibilidade, os mesmos talentos, a mesma integridade moral. O que me convence são fatos. Fatos vividos no dia-a-dia. São ações de governo, nem sempre ilegais, mas claramente imorais. Estatísticas nem sempre justificam as dificuldades ou benesses que atingem o Brasil. Há que se observar a conjuntura internacional. A globalização, bem vinda ou não, existe e veio pra ficar.
                     Já fui professor (aliás, ainda sou, mesmo não dando mais aula). De certa maneira é muito fácil conseguir atingir objetivos satisfatórios quando você pega uma turma com uma média de raciocínio alta, que gosta de estudar. Até sem fazer tanto esforço, as notas serão boas e a maioria vai passar por média. Claro, caso você não seja ruim demais, relapso, incompetente ao extremo. E ainda quando você pega uma turma que teve bons professores, alunos interessados e aplicados. O barco já está navegando em boa marcha. Fica bem mais fácil sincronizar as remadas e manter o ritmo até a fita de chegada.
                      A pergunta que já fiz e continuo a fazer: Se o PT tivesse assumido o trono, logo após o Sarney, em épocas em que a China pouco comprava, em que inflação não era anual, era medida diariamente. Desculpem, mas vou chutar. Nacionalização de bancos, censura à imprensa, eliminação de partidos de oposição, aparelhamento de milícias, etc etc E o Brasil seria uma antecipação venezuelana. Estaríamos em situação falimentar, muito pior do que hoje estamos. Honestamente, claro.
     

domingo, 17 de abril de 2011

A FEBRE

A FEBRE

Deixe-me avisar. O ano de 1957 não corria. Rastejava vagarosamente, como se sem destino. Estávamos no início do ano, em Fortaleza, Ceará. Não a Fortaleza atual, dos buracos e dos políticos mal preparados ou mal intencionados. Falo da capital da luz e do sol, onde a praia do futuro simplesmente era a praia aonde os menininhos da época (filhinhos de papai) levavam as menininhas, e lá marcavam definitivamente o futuro delas, depois de algumas horas de luxúria e prazer. E a população aumentava...

Falo da Fortaleza da Praia de Iracema ou Meireles, boas de banho, sem farofeiros ou ambulantes. Como a gente aproveitava...as garotas mais ousadas imitavam as cariocas (ou tentavam imitar) e já compunham trajes bastante generosos, com bastante bronze à mostra e fazendo a moçada masculina porejar, literalmente gotejar o suor dos maus pensamentos!

O 23° BC (Batalhão de Caçadores) situava-se na avenida 13 de maio, onde aliás até hoje continua . O calor de um verão sem chuva esquentava as cabeças de uma fila de jovens candidatos ao serviço militar obrigatório. Entre eles lá estava eu. Nosso destino imediato era uma mesa colocada no pátio do quartel, onde um coordenador e mais dois ou três militares nos examinavam com perguntas, cujas respostas preenchiam formulários. Perguntas comuns, muito atinentes às condições necessárias para habilitar o jovem ao serviço militar. Em grupos de mais ou menos dez, eram levados após o questionário, para uma sala, onde todos se despiam e passavam por exames diversos, com verificação de doenças venéreas, problemas de articulações, defeitos, pé chato, etc. Eram feitas medições de peso e altura. Todos esses dados eram levados aos formulários, que forneciam elementos para a seleção dos mais aptos (maior escolaridade, mais saúde, maior altura, etc) ao serviço militar. Estes eram compulsoriamente convocados, havendo pouquíssima chance de poder alguém se livrar.

Em tempo: em verdade eu não passei por todo esse processo. O relato de amigos me forneceram essas informações. Apenas no ano seguinte, sem febre, é claro, passei por toda essa situação.

O fato é que não me sentia bem. O calor parecia grande pra todo mundo, menos para mim. Eu sentia frio, muito frio. Minha pouca idade e nenhuma experiência de vida não permitiram que eu identificasse o mal que me acometia. Aliás, não demorei muito em pé. Lembro-me que a luz apagou de repente e só voltei a mim na enfermaria. Diagnóstico: gripe asiática, como fora batizada a virose que assolou o Ceará. Os boatos da época davam conta que a tal virose viera a bordo de algum navio oriundo da Ásia e se alastrara pela terrinha de José de Alencar. E eu fui uma de suas vítimas. Resultado: perdi a seleção e o ano. Agradeci. Não estava muito a fim de servir ao Exército. Trabalhava na fábrica de tecidos Cotonifício Leite Barbosa. Ficava próximo a nossa casa. Ia e voltava a pé. O salário era razoável, o trabalho não era ruim e eu ainda podia fazer um "bico".

Meu trabalho era no escritório, ajudando a fazer a folha de pagamentos. Mas, no final de semana (os pagamentos eram semanais), eu e um colega saíamos pelo interior da fábrica, visitando todo e qualquer operário, portando uma caixa de madeira com os envelopes dos pagamentos, em dinheiro vivo. Levava junto um recibo para cada operário. O trabalho na fábrica se dividia em três turnos: manhã, tarde e noite. Cada turno com 8 horas normais acrescido de horas extras. Mas o trabalho não podia ser interrompido. Os pagamentos eram feitos com as máquinas em pleno funcionamento.

Veio então a ideia de fazer negócio com os operários, vendendo-lhes relógios à prestação. Meu pai conseguiu com um amigo a mercadoria. Ele me entregava os relógios em consignação para eu vender. Cada relógio (Mondaine, marca lançada na época) me custava CR$ 1.125,00 e os vendia por CR$ 3.000.00. Cruzeiros, amigo. Isso mesmo. Mas cruzeiro ainda no tempo da inflação de um dígito.

Explico: eu recebia do cliente, como entrada, mil cruzeiros. Quase o valor que devia ao fornecedor. O resto era parcelado, variando de 4 a 24 prestações. Muitos pagaram apenas a entrada. Mas a maioria pagava até a última. O pagamento era feito assim: eu retirava antecipadamente do envelope o valor que me era devido, colocava lá o recibo correspondente, destacando uma coluna com a dívida remanescente. Além disso, notificava verbalmente o cliente sobre o desconto efetuado. Houve diversas situações em que tive que negociar sobre o valor e/ou a data daquela prestação. Bem, a essa altura a febre já havia ido embora, eu gozava de plena saúde, trabalhava, namorava. Vivia. 

O NÓ NA GRAVATA

O NÓ NA GRAVATA

Cabe aqui fazer uma colocação. O ano de 1956 estava no início. Eu havia pouco tempo tinha deixado o seminário, em Jundiaí, onde estudava para ser padre. Morava agora com meus pais, em Fortaleza. Minha experiência na vida secular, na sociedade, era mínima, após quase sete anos recluso no convento, sob rígida disciplina, estudando e rezando. Ao chegar em Fortaleza, após a recepção pela minha família, fiquei um tempo à deriva. Ajudava o padre durante a missa, comentando o ofício religioso, tocando o órgão, cantando com o povo, etc. Eu pouca gente conhecia. Mas todos me conheciam. Primeiro por serem meus pais pessoas por demais queridas na região. Em segundo lugar devido à minha presença na igreja, aos domingos, sempre lotada, como coadjuvante do celebrante. Após a missa, ficava ainda um tempo tocando músicas religiosas no órgão. Foi então que uma garota chamada Iran, amiga da família, perguntou se eu podeira lhe dar aulas de música e órgão. E foi com prazer que passei a ministrar algumas aulas a ela e mais umas duas ou três moças. O padre não se incomodava com isso. Assim passávamos o resto das manhãs de domingo na igreja, tocando e cantando. Quanto a Iran, trataremos desse assunto mais adiante.

Todos os domingos um casal ia à missa. O marido ficava do lado de fora e a esposa assistia ao culto dentro da igreja. Ele não era católico mas apoiava a esposa: levava-a e aguardava o término da missa, em pé, do lado de fora da igreja. Seu nome: Henrique Bluhm. Empresário do ramo de seguros portuários, viúvo há pouco tempo e enamorou-se de Afonsina, cujo projeto de vida era entrar para um convento e ser freira. O casamento mudou tudo, inclusive o relacionamento dele com a família. Com mais de vinte anos de diferença na idade, os filhos viram nela uma aventureira, caçadora de dotes. Por isso, então, ele construiu uma bela casa em um sítio, nas vizinhanças da nossa, onde foi morar com ela. Tiveram um casal de filhos, cujos nomes não lembro.

Como ela me conhecia através de minha atividade na igreja, é fácil imaginar que falasse com o marido, em casa, a meu respeito. O caso é que o sr. Henrique Bluhm tocava violino e tinha piano em casa. E tinha uma amiga professora de piano. E ainda que precisava de um parceiro pianista para acompanhá-lo em seus estudos de violino. Meu pai era pobre. Eu, desempregado. Ganhei, então, dele uma bolsa de estudo de piano. Duas vezes por semana me deslocava à casa de dona Lídia, próxima à praça José de Alencar. Lá, por dois anos, aprendi um pouco de piano, com técnica ensinada por quem a dominava de sobejo. Dona Lídia havia sido pianista oficial do teatro José de Alencar. Magra, pouco mais alta que eu, parecia, pelo menos aos meus olhos, uma pessoa de fina educação, fino trato, oriunda de família tradicional da terra. Solteira, juntamente com sua irmã Lígia, formavam dupla no piano a quatro mãos, dois pianos, ela com 75 anos e a irmã, 82, também solteira. Nenhuma queixa se formos falar das qualidades de minha mestra. Quanto ao aluno, tenho muito a dizer. Uma lembrança que guardo foi da dificuldade que enfrentei para tocar partituras contendo quiálteras para a mão esquerda e compasso normal na direita ou vice-versa.

Acredito que no início o interesse do sr. Henrique era conseguir um parceiro para os ensaios dele ao violino. Porém, com o tempo, passou a me tratar mais como um filho adotivo. Ganhava presentes, era considerado de casa, com liberdade para entrar ou sair, como se da família fosse.

Certa feita recebi dele o convite para assistir a um espetáculo no teatro José de Alencar. Um violinista de fama internacional, europeu, iria se apresentar e a pianista seria minha professora, dona Lídia. Comprou-me o ingresso, e lá fomos nós dois para o concerto. Eu, porém, não tinha trajes adequados para o evento. Vesti meu terno de linho e lá fui eu para a casa dele. Olhou-me dos pés a cabeça. Não pareceu muito satisfeito com o que viu. Meneando a cabeça, retirou-se, retornando com uma gravata na mão. Eu jamais havia usado tal adereço. Fiquei olhando aquilo em minha mão, confuso, sem saber o que fazer. Tomou-me de volta a gravata, e a colocou em meu pescoço. Tal qual o pai se preocupa com o filho. E acrescentou: aprenda como se dá um nó de gravata. Um dia ainda vai precisar. E como precisei! Jamais esqueci, mesmo tendo se passado tantos anos, como se dá um verdadeiro nó de gravata.

Dormi. Boa parte do espetáculo, dormi. Com gravata e terno de linho. Vexame, vergonha. Meu benfeitor deve ter ficado frustrado. Mas nunca deu mostra disso. Continuamos amigos, parceiros de ensaios e de pequenas apresentações beneficentes, em cidades nos arredores de Fortaleza. A gravata? onde andará? Acho que nunca mais a usei.

PENSAR A VIDA

PENSAR A VIDA

EU SEMPRE PENSO QUE SOU,
NEM SEMPRE SOU O QUE PENSO,
MAS NÃO SOU SE NÃO PENSO,
POIS O PENSAR DIZ QUE SOU

TUDO TIVE NA VIDA.
ATÉ A VIDA QUE NÃO TIVE,
SORTE NÃO TÊ-LA VIVIDO...
QUE VIDA ENTÃO TERIA TIDO?

POR ESSA RAZÃO, EU ACHO
QUE PENSAR FAZ A VIDA.
OU, QUE A VIDA FAZ PENSAR,
OU, SEM PENSAR NÃO HÁ VIDA

VIVI TANTOS ANOS COM VIDA,
MAS DE TANTOS NENHUM RESTOU.
VIVI-OS TODOS, BEM VIVIDOS.
AGORA, É VIVER O TEMPO QUE FALTOU.

A QUEDA DO BIMOTOR

A QUEDA DO BIMOTOR

Era mais um dia de trabalho no ano de 1957. A hora exata não lembro. Provavelmente foi logo após o almoço. A rotina no escritório corria dentro da normalidade. Idas e vindas, entre o ruído das calculadoras e máquinas de escrever Remington. No meio do escritório havia um cubo de vidro transparente, ocupado pela diretoria da empresa. Dali se podia, em um relance, ver todo o escritório. Portanto, nada de brincadeiras, passeios desnecessários, conversas, piadas. Falava-se o necessário, mesmo com a ausência do diretor administrativo ou do presidente, que às vezes, quando vinha dos Estados Unidos, aparecia naquela gaiola transparente.

Foi numa dessas visitas do diretor presidente que notamos um movimento incomum dentro da redoma de vidro. Nada se ouvia do lado de fora. Mas não era necessário, pois os gestos, as expressões denunciavam que a situação era grave. A discussão era acalorada, dedos em riste, nada bom de se assistir do lado de fora. É natural que ficássemos curiosos. Ninguém do escritório se aventurou em formular qualquer hipótese. Somente no dia seguinte a bomba explodiu. O chefe da carteira de cobrança da empresa, funcionário de confiança, estava embolsando pagamentos recebidos de clientes. Com certeza falsificava os dados da contabilidade. Como era pessoa de confiança, o caso só foi descoberto quando o rombo ficou visível até da lua. Foi demitido, claro. Mas a empresa fez acordo e não o denunciou à Justiça. E assim, mais um ladrão se dá bem na vida: abriu uma loja de tecidos no centro da cidade, na maior cara de pau, pois a fábrica onde trabalhávamos, fabricava tecidos...

Eu fora almoçar em casa, distante cerca de quinze minutos a pé. A fábrica tinha endereço na rua 15 de Novembro, próxima ao Asilo São Vicente que ficava na av. João Pessoa. E minha casa ficava também na rua 15 de Novembro, antiga "pista do cocorote", mais próxima do portão da Base Aérea. Já retomara de casa e trabalhava tranquilamente, quando alguém subiu a escada que levava ao escritório, correndo em minha direção. Os gestos e o olhar eram de espanto e medo.
- Neto, acho que caiu um avião em tua casa.

Não consegui falar uma palavra sequer. Todos nós corremos, em alvoroço, escada abaixo, e seguimos para o meio da rua. Realmente, dali a visão era aterradora. Chamas se elevavam acima dos telhados, em meio ao grosso rolo de fumaça negra. Depois me contaram que explosões foram ouvidas a léguas. Mas, o barulho dos teares e outras máquinas, no interior da fábrica não nos deixaram ouví-las.

Agora eu corria pelo meio da rua. Nesta época poucos carros trafegavam por ali. O coração queria saltar do peito. E quanto mais me aproximava, mais certeza tinha de que o avião caíra em cima de nossa casa. Não me lembro no que pensei naquele momento. Acho que pensava apenas em chegar logo em casa. Certamente, então, pensaria em algo a ser feito. Nunca achara tão longa aquela rua.

Na minha situação, qualquer um correria . Mas, à medida que fui chegando mais perto, percebi que o avião caíra nos fundos, entre nossa casa e a casa vizinha de trás. E quando finalmente cheguei, constatei que caíra no quintal vizinho. As chamas haviam-se apagado. Restava apenas a fumaça. Ainda não havia bombeiros. Apenas curiosos.

Tenho que esclarecer um fato: os aviões passavam por sobre nossas casas, à pouca altura, pois a cabeceira da pista ficava muito próxima, cerca de 400 metros adiante. O barulho dos motores era muito grande, pois aceleravam o máximo para a aterrissagem.

Quando os bombeiros chegaram, vimos os dois pilotos sendo retirados: dois pedaços de carvão. Tive muita pena. Dois jovens não retornariam para casa. E eu não mais retornei ao trabalho, naquele dia.

Nesta época, um tio meu que morava no Rio Grande do Norte, havia falecido. A esposa, tia Telina, viera para Fortaleza, trazendo consigo um casal de filhos, ainda crianças com cerca de 10 a 12 anos de idade.

Papai alugara uma casa em outro bairro para acomodar os órfãos e a mãe. Por um motivo qualquer, no momento da queda do avião, os dois jovenzinhos estavam em nossa casa. Sua chegada a Fortaleza era recente e nada conheciam ainda do lugar. Além do mais, acostumados com a vida no interior, não estavam habituados com carros, bicicletas, rádio, aglomerações ou mesmo queda de aviões.

Passado o primeiro momento de susto, meus pais notaram a ausência dos dois. Depois de muita procura suspeitou-se até que eles poderiam estar debaixo do avião queimado. Para a casa deles era impossível terem ido, pois nada conheciam da região.

Mesmo assim, alguém foi de bicicleta até lá, e tal não foi a surpresa quando se deparou com os dois, em companhia da mãe. Até hoje não se sabe como; mas eles conseguiram uma proeza incrível: correram até em casa, como se fosse a coisa mais fácil do mundo encontrar aquele endereço.

A mão de Deus?

A FUGA

A fuga

Era ainda madrugada alta. Os animais andavam vagarosamente na escuridão da mata. A escolha pelos burros, eu soube mais tarde, se devia ao fato de que eles eram melhores em estradas difíceis e enxergavam melhor do que os cavalos.

Eu ainda não fizera 5 anos, mas cavalgava o lombo do burro como um adulto. Pelo menos era essa minha impressão. Minha mãe ia logo à frente em outro burro. Atrás alguns animais levavam nossa mudança. Talvez uma sacola de roupa, um pouco de comida e água. Meu pai e um parente, acho que um tio, seguiam na frente do comboio, pois conheciam bem a trilha na descida da serra.
Lembro como se hoje fosse: nessa viagem, pela primeira vez, conegui emitir um som que muito se aproximava do assobio. Para mim foi uma vitória. Estava sempre tentando um jeito de assobiar, mas não conseguia. Foi a glória. Jamais esqueci...

E o dia clareou. Quem conhece a serra de Portalegre sabe que a descida é abrupta, íngreme, com precipícios ladeando a estradinha. Hoje sobem carros, a estrada é asfaltada. Mas nos idos de 1943 não havia estrada pavimentada. Havia sim um simulacro de estrada, por onde trafegavam carros de boi e congêneres.

O sol nos pegou já na baixada, próximo à caatinga seca que nos acompanhou até a parada em casa de um parente. Um café com tapioca é o muito que posso lembrar.

A memória de fatos de minha infância está de pouco em pouco se desfazendo em poeira. Mas ainda guardo alguns bem interessantes. Um deles conta de uma diarréia que me acometeu, eu tinha cerca de 2 anos. Morávamos em uma casa, acho que em Passagem Limpa, próximo de um açude. Quando chovia as águas do açude invadiam as terras planas em volta. Essas eram chamadas "teras de vazante". Eram usada para plantio de arroz e feijão, por conservarem a umidade por mais tempo. Por isso as casas possuíam o piso com cerca de meio metro de altura. Meu irmão Assis, ainda uma criança de berço, estava na rede.

Meus pais afastaram-se da casa a uma distância razoável e para assarem castanha de caju. A intenção era evitar que eu visse pois estava com diarréia. Assim, pensavam eles, eu não perceberia o que estavam fazendo. Pudera! O cheiro da castanha assada me levou até a porta da cozinha, de onde eu gritava para sair e participar do banquete.

A porta era dividida em duas folhas retangulares: a parte inferior ficava fechada o dia inteiro. A parte superior permanecia sempre aberta durante o dia. Agarrado às bordas da porta fechada (parte inferior), eu gritava e gritava. Meus pais? faziam ouvido de mercador!

Em outra ocasião lembro que uma aranha caranguejeira invadiu nossa casa. Meu pai, muito jovem ainda, sem experiência, jogou querosene nela e ateou fogo. Pior a emenda que o soneto. A aranha começou a correr pela casa, botando fogo em tudo por onde passava. Foi um sufoco. Ela morreu mas deixou um bom prejuizo. Hoje sabemos que a caranguejeira pode causar no máximo um alergia na pela por causa do pelo. Existem aranhas muito menores, aparetemente inofensivas, mas muito venenosas.

Ainda nessa mesma casa, feita de taipa, tive uma experiência que hoje me dá arrepios. Havia um puxado atrás da casa, feito com alguns paus e um telhado de palha. Ali eu costumava brincar. Criança gosta de brincar. Qualquer coisa diverte, ainda mais naquele tempo, quando ainda não havia celular, videogame, tv, etc. Pois vejam só a diversão que encontrei. Em verdade eu estava me divertindo com a brincadeira, que consistia em cutucar com uma vara uma cobra enorme que, enroscada em um dos caibros, balançava pouco acima de minha cabeça. Não preciso dizer do susto de minha mãe quando ela saiu de casa e viu tudo. O resto, bem, o resto eu não lembro. Sinceramente...

Foram muitas as aventuras infantis. Depois volto ao assunto. Tem a morada na casa do engenho; tem a rachadura na cabeça; tem a morte do mano Jurandir e o veneno para formigas; tem o rosário de joelhos...e por aí a fora.

O CRUZADO

O cruzado



A aula de catecismo terminara. O catecismo era ministrado em uma sala que ficava nos fundos da igreja. A saída era pela lateral da igreja, entre ela e um muro que nos separava do "asilo".

Por asilo era conhecido um manicômio situado na avenida João Pessoa, em Fortaleza. Atualmente pertence ao bairro do Pici. Atrás desse hospital-manicômio, ficava a lagoa da Parangaba. Ali, na lagoa...bem, isso é assunto pra outra hora.



Ao sairmos à rua, notamos que chovia. Abri o guarda-chuva e nós dois, eu e o Luizinho, colega de catecismo, nos abrigamos embaixo dele. Já bem no meio da rua, notei que a chuva terminava e tentei fechar o guarda-chuva. Com apenas 10 anos de idade, estatura ainda pequena, o guarda-chuva cobriu minha visão. E foi assim: o motorista não teve tempo de frear o carro e fui atropelado. Meu colega escapou.

Do outro lado da rua havia um posto de combustível. O piso do pátio de estacionamento era de terra. O veículo me jogou para fora da pista e lá senti que rolava sobre a terra. E foi isso que me salvou a vida. Nessa hora vi o peneu do carro passar roçando ao lado do meu braço. O motorista havia desviado para evitar o acidente. Mas eu havia sido jogado na mesma direção.

Tudo foi muito rápido. Desmaiado fui levado pelo motorista para o hospital. O Luizinho correu até minha casa, que ficava a cerca de 1 km, na "pista do cocorote". Minha mãe ficou em pânico, pois não tinha idéia do lugar para onde eu havia sido levado. É bom lembrar que, naqueles tempos, telefone, carro, rádio, eram objetos de luxo. Somente gente que tinha dinheiro podia pensar nessa mordomias.

Pelo que me lembro havia mais de duas pessoas na sala. Eram freiras todas elas. Cuidavam de mim e expressavam, com palavras, carinho e admiração. Os curativos e a limpeza me devolveram a dignidade e a aparência. Além disso me senti um pouco mais importante do que costumeiramente.

- Ele é cruzado!, exclamou uma delas. Dizia isso em tom piedoso, numa mescla de pena e admiração

O mundo religioso daquele tempo era assim: havia as "irmãs de caridade", usavam um chapéu enorme, em formato estranho, com duas abas triangulares para os lados; havia a figura das "filhas de maria"; havia ainda a "Cruzadinha", da qual faziam parte crianças da comunidade, pertencentes ao catecismo ou coroinhas; havia os "vicentinos"que perduram até nossos dias.

Ah, ia esquecendo: os padres dividiam-se em duas grandes categorias - os religiosos e os seculares. O religioso prestava três votos: castidade (abstinência sexual), pobreza e obediência. O de pobreza presumia que o padre não poderia possuir qualquer bem material. Qualquer coisa, objeto de pequeno e maior valor que ele usasse, pertencia à congregação, podendo ser-lhe tirado a qualquer momento. O voto de obediência fazia com que aceitasse, sem contestação, qualquer ordem superior. Assim os Jesuítas de Inacio de Loyola preterem a humildade e outras virtudes em favor da obediência. E ainda: o religioso tinha em sua congregação um superior regional chamado "provincial", além do superior que era escolhido para dirigir a casa onde exercesse atividade.

Os seculares subordinavam-se ao bispo. Podiam possuir bens, trabalhar, etc. Prestavam somente os votos de obediência. Não obstante, os religiosos deviam obediência também aos bispos. Mas sempre houve um acordo tácito entre os provinciais e os bispos, para se evitarem conflitos de interesses que poderiam atrapalhar tanto a administração da diocese, como prejudicar a missão da igreja. Além disso o provincial devia também obediência total ao provincial geral, sediado em algum local do planeta, geralmente na Europa.

O cruzado portava uma fita amarela em diagonal do ombro esquerdo ao quadril direito, em cuja fita havia uma cruz vermelha bordada. Daí o nome "cruzadinha" para a entidade e "cruzado", destinado aos meninos que participavam da entidade.

Finalmente uma ambulância me deixou em casa. Havia uma escoriação na coxa direita, do lado de fora, que estava inchada e roxa. O ombro direito também estava ferido e o braço apoiado em uma tipóia. A testa portava um galo ainda muito evidente e bastante dolorido. No mais, o resto parecia inteiro.

Minha mãe jamais foi pessoa de externar seus sentimentos como as outras pessoas. Se chorou eu não vi; se lastimou, acho que ninguém percebeu. Penso que sofreu, mas manteve a serenidade que até hoje é marca de sua personalidade. Também não fez alarme. Afinal estava vivo e aparentemente com saúde. São e salvo, o filho voltara à casa.